domingo, 14 de junho de 2015

Monólogo do Sono

A cidade dormiu.
As ruas piscaram miudinho nas lâmpadas, apagaram a brasa dos últimos cigarros e levaram todos para casa. As ruas queriam sossego. O silêncio tomou conta das coisas e preparou-as para o repouso.

Mas os olhos brincaram de sonâmbulos.
Haviam esquecido o sono em algum lugar e não o sabiam encontrar. Ou, talvez, quisessem ver a noite para descobrir nela uma sombra nova. Por isso, faziam serão.
É bom a gente crescer e olhar o escuro bem escuro, sem medo. Transformar fantasmas em figuras de dança, de circo ou em fantoches irreais.

A cortina vestiu logo de gala uma forma jovem e o vento deu-lhe passos de ensaio para a primeira estréia. Uma roupa caída sobre a cadeira era um sonho trágico que a noite amarrotara, ou do qual levara a alma para um passeio distante, não se sabia onde. Era alguém abandonado ou ferido, desfalecendo lentamente.

O espelho tinha uma assombração novinha, arriscando um reflexo forte para provocar a escuridão. Ele desenhava nas paredes com giz luminoso, como se a noite fosse toda sua.

E havia também o que só a atmosfera trazia, a atmosfera e os olhos abertos, dentro das sombras, acompanhando as horas. Eram figuras fantásticas, variadas e móveis que sabiam correr, subir e voltar de novo, ora intensas, ora meio eclipsadas, irritadas sempre por não encontrarem a quem assustar. Elas começavam a envergonhar-se junto ao meio sorriso que escapava dos lábios semi-infantis.

É bom a gente encontrar o escuro e não se assombrar. Permanecer tranquila, decorando-lhe a face opaca. Apalpar-lhe o corpo e sentí-lo vulnerável. Deixá-lo exibir-se inocente, descobrindo nele uma história pitoresca.
É bom poder detê-lo, esperando com calma alguma luz que vai surgir a qualquer hora – não se sabe de onde – para o encantamento dos olhos. Suportá-lo com uma paciência espichada, advinhando-o efêmero.

É agradável contorná-lo com gestos serenos que acariciam seus duendes ou abraçar-se a ele sem temor. Entregar-lhe até os olhos que se vão fechar num momento imprevisto, sob sua guarda e proteção. Beijar-lhe os lábios que chegam perto e, cansados da tentativa inútil de amedrontar, se fazem mansos e enfeitam o silêncio.


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